Adriano Macedo | Pescadas Expressas

domingo, 10 de março de 2013

Pausa para o café expresso



"Dizem os modernistas que estamos numa época de sínteses; isto é, de rapidez. Não temos mais tempo a perder. Temos muito o que fazer. Para substituir as tardias diligências com cocheiros de cartolão e salteadores de máscara, capa e arcabus, inventaram-se os automóveis. Para substituir o moço-de-recados, com namoradas embaraçantes em todas as esquinas, inventou-se o telefone. Para substituir o teatro vagaroso, com decotes arfantes e peitilhos comovidos, inventou-se o cinema. Para substituir as enfadonhas, quotidianas crônicas jornalísticas, inventou-se..."

Numa primeira leitura de três linhas, parece que o trecho foi entreouvido nos dias de hoje, no escritório, no metrô, numa conversa de bar. O discurso da rapidez e do "não temos mais tempo a perder" permanecem atuais. O curioso, no entanto, é que o texto acima foi publicado em 23 de julho de 1927, no Diário Nacional, por Urbano, pseudônimo do escritor, jornalista, poeta, ensaísta, advogado e tradutor Guilherme de Almeida (1890-1969). Ele faz parte de "Contistas e Cronistas do Brasil", coleção publicada pela editora Martins Fontes para resgatar a obra de autores que se destacaram nestes gêneros literários. Encontrei o livro no Vagão-Biblioteca deste expresso. 

As crônicas escritas por Urbano, em 1917 e 1928, estão reunidas em "Pela Cidade", título organizado por Frederico Ozanam Pessoa de Barros (tradutor de clássicos da literatura mundial e que voltou a atenção para a vida e a obra de poetas românticos). Ler as crônicas de ontem com o olhar de hoje é sempre uma experiência saborosa. E acaba sendo a oportunidade de perceber a atualidade de algumas reflexões.  

E segue a crônica:

"... esse furor da velocidade, vai ganhado todas as atividades da precipitada humanidade. Mesmo as mais gostosas atividades. Por exemplo: o café. O cafezinho, durante o dia, era um rito, entre nós. Um rito complicado e descansado. Uma cousa preguiçosa e boa. A gente entrava num café, sentava-se a uma mesa, sobre duas cadeiras (uma para o indivíduo propriamente dito, outra para a capa de borracha, a pasta, o chapéu, o jornal e o embrulhinho de queijo da família)...

De repente , síntese. Tudo se precipitou, como nos filmes cômicos. E o bom Café vendeu em leilão mesas, cadeiras, estantes, balcões, tinteiros, canetas, papel-de-bloco, jornais travesseiros, chaises-longues − tudo. E sintetizou-se numa porta do centro, num corredor barato, com uma máquina fumegante parecida com um aquecedor de banho, homens de branco parecidos com enfermeiros, sob esta tabuleta rápida: Café Expresso... "


O telefone perdeu o fio e começou a bater perna, junto com o dono. O cinema não matou o teatro. O moço-de-recados parece ter voltado, em forma de e-mails e chats. A crônica sobrevive. E o café? Ainda bem que a história é cíclica e assistimos, nos últimos anos, ao renascimento dos cafés no Brasil. Sem falar, é claro, nos sobreviventes que não sucumbiram à modernidade, como a charmosa Confeitaria Colombo, no Rio de Janeiro (foto abaixo). Todos eles com mesas, cadeiras e espaços especiais para o encontro ou a leitura. Tem até café em livrarias, em lojas de roupa e sobre rodas. O café continua cada vez mais expresso, com grãos cada vez melhores. Sem contar as cafeteiras portáteis, com um mercado em expansão. Que os encontros - expressos ou nem tanto - sobrevivam. 

A imagem que abre este post é do Bar do Ponto (década de 1920), na esquina da Avenida Afonso Pena entre Rua da Bahia e Tupis, em Belo Horizonte (onde está situado hoje o Othon Palace). Capturada do blog BH Nostalgia. O estabelecimento funcionava no térreo do Palácio Hotel.  Recebeu o nome Bar do Ponto devido à localização. Ali ficava o abrigo de bondes (ponto inicial e final de quem se dirigia às regiões sul e leste da capital mineira). Fundado por Felipe Longo, em 1906, o lugar foi um marco referencial de Belo Horizonte nas primeiras décadas do século XX, ponto de encontro da boêmia da cidade. 





3 comentários:

  1. beleza. vamos aproveitar esses espaços. abraço. ksf

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  2. Adriano,
    Adorei o blog! É um misto de saudosismo com literatura, de história com o presente... é também mais um indício positivo dessa precipitada humanidade, que tem na tecnologia, aliada à comunicação, uma ferramenta para refletir e escrever sobre tudo...
    Parabéns e sucesso!
    Abraços,

    Poliana Napoleão

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  3. Oi Adriano,
    Que bacana este blog, adorei! E que saudades, nossa!
    Abraços

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